A Polícia Marítima é definida como "uma força policial armada e uniformizada, dotada de competência especializada nas áreas e matérias legalmente atribuídas ao SAM e a AMN, composta por militares da armada e agentes militarizados". (DL 235/2012 de 31.10). Assim, a lei adota a expressa militarização da PM realizada pelo Conselho de chefes de Estados--Maiores das Forças Armadas em 1975 (DL 190/75 de 12.04). A revisão constitucional de 1982 introduziu, porém, duas alterações estruturais no funcionamento do Estado. Por um lado, extinguiu o Conselho da Revolução pondo termo às funções políticas das Forças Armadas. Por outro, inseriu a Polícia - enquanto função e estrutura - para garantir a segurança interna (artigo 272.º), sob o conceito de administração pública, simultaneamente endossando às Forças Armadas a defesa nacional (artigo 275.º), com as nuances de contextos de cooperação ou de situações de estado de sítio, de emergência e de calamidade pública, onde são de admitir a militarização de corpos policias. Nada menos do que isto, mas também nada mais do que isto.
Aos olhos da Constituição nada aparece que legitime a militarização ou comando militar das forças de segurança fora daqueles casos previstos. Porém, a incursão inconstitucional vai ainda mais longe. O SAM, (Sistema de Autoridade Marítima) foi criado pelo DL 43/2002 de 02.03 e abarcava, entre outros, a AMN (Autoridade Marítima Nacional) e a PM, entidades distintas e independentes uma da outra. O DL 235/2012 veio incompreensivelmente integrar a PM como órgão e serviço da AMN, ficando expresso que "o chefe do Estado-Maior da Armada (CEMA) é, por inerência, a AMN e nesta qualidade funcional depende do ministro da Defesa Nacional." Ora, por inerência significa ligação profunda, inseparável por natureza do tipo ou função a que diz respeito. Em termos simples significa a sujeição da PM a uma personalidade militar.
A sujeição da AMN ao CEMA não deixa de pôr dúvidas em sede constitucional. Mas impunha-se a separação das águas para que a PM, enquanto força de segurança e órgão de polícia criminal, não estivesse na atualidade sujeita à regra militar. Entenda-se que um militar enquanto cidadão não está impedido de dirigir um organismo civil. Instituições haverá, como as de recolha de informações, vigilância, conservação e de prevenção de atividade inimiga "pura e impura", onde obviamente o sector militar, para além do seu campo específico, tem uma palavra dominante. A instituição militar, como parte integrante da sociedade democrática, merece o prestígio que há muito nos habituou. O que lhe cabe acatar em tempo de paz e na normalidade vivencial da prática e ação democráticas a que o uso de coerção, de força e da arma em relação ao cidadão no seu quotidiano seja assegurado por forças de segurança. O legislador tem ainda uma palavra a dizer. O imperativo constitucional, a grandeza militar e a democracia assim o demandam.
* Juiz-conselheiro do STJ - jubilado